quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

ANTÓNIO-LINO


TEMPESTADE NO DOURO
serigrafia

DE ANTÓNIO-LINO ESCREVEU ELE PRÓPRIO:

O CONDICIONALISMO GEOGRÁFICO preparando um tipo de civilização, contribui para as características dum povo, formando quadros geográficos, isto é, meios onde se desenvolvem civilizações, constituindo o seu fundamento na criação de uma geografia humana.



Mas não é apenas este factor geográfico que nos explica inteiramente as coisas; também o factor humano é duma enorme importância. Os rios, as nascentes, os montes facilmente defensáveis de animais selvagens e inimigos, são razões que explicam a formação de aglomerados. Mais tarde os mosteiros e as ordens militares religiosas monacais, foram uma nova razão de criação de povoados: uns formados por motivos naturais, outros pelos próprios homens. Dos primeiros se formaram as citânias de Briteiros e de Sabroso e o castro da colina onde se encontra o Castelo (de São Mamede) em Guimarães; destes na base da Fundação da própria cidade de Guimarães. Assim o homem pré-histórico estava envolvido pelo determinismo geográfico que o domina e que, embora muito atenuado, chegou aos nossos dias. Há, porém, seja o que for de inteiriço, de dominantemente telúrico, que identifica o homem nortenho, tronco onde se desenha, ao mesmo tempo que uma grande energia e uma intensa fé, não sei quê de simplicidade rude, de sonhador laborioso, de misticismo, de resignação na consciência da sua força.

Assim o meio me influenciou. Nascendo e vivendo em Guimarães – cidade onde a Etnografia e a Arqueologia, a História e a arte têm um sentido vivo – onde, na contemplação dos seus monumentos, se sente ainda a vida de culturas e civilizações que se cumpriram e se realizaram, me formei e me levaram a estes caminhos difíceis da Arte. Desde os meus primeiros tempos da memória até ao meu 5º ano dos liceus, a primeira imagem que me aparecia, logo de manhã, era a imponente massa do Castelo, que preenchia A JANELA DO MEU QUARTO. Ela se me fixou para sempre, castelo que desde menino percorria, subindo às torres por escadarias para mim quase ciclópicas e ainda hoje com escalada fora do comum. No seu simbolismo que o acaso fez – o castelo tem a forma de um escudo com sete torres – nele sonhei a sua vida e adivinhando os seus segredos me conheci melhor. Depois foi a descoberta das Citânias, léguas calcorreadas a pé, com um pequeno grupo, dias a descobrir a vida de milénios de vida. O estudo particular do latim para traduzir Estrabão. Plínio, Trajado, que nos falavam dessas civilizações remotas de Guimarães. Foram as nossas aventuras e os nossos livros-de-aventura, da minha juventude. Vivi toda essa gesta e ficou-me o gosto pela arte primitiva medieval e, mais tarde, do primeiro renascimento italiano. Da memória que desses tempos conservo não perfilhei o culto da mentirosa miséria exposta na praça pública e de aleijados organizados em mesteres – os bobos, os palhaços, isso sim! – que ainda existia nas grandes romarias, mas sempre me emocionou a dor escondida e a miséria envergonhada.

TINHA ONZE ANOS quando encontrei, na sua linguagem antiga, estes versos de Tirso de Molina que tomei, desde então, como meu lema: se todo el can que ladra en mi camino me detengo a rimarle con padradas, non llegaré jamais a mi destino. Pouco mais tarde, a aventura modernista, mandando vir do estrangeiro, com que sacrifícios, quantas quotizações, publicações futuristas. E nasceu o primeiro jornal (mais tarde fui director dum semanário na cidade) e um teatro gilvicentino com meus irmãos (éramos sete), na grande loja-da-lenha, com a assistência da família e vizinhos, bilhetes vendidos a preço-de-feira. Uma oficina de entalhador, grande actor de teatro amador, era o nosso local de reunião; e as primeiras gravuras a goiva, com os primeiros golpes. Aos domingos grandes caminhadas, descobrindo as pequeninas igrejas românicas das terras de Guimarães e seu termo, com acompanhamento base da broa e vinho por baixo duma ramada.

O pai, oficial do exército, a mãe professora oficial, com muitos irmãos, depois do sétimo ano de ciências, era difícil continuar um curso superior. Também para as Artes, seu desejo antigo, lhe foi impossível ir. Optou-se, por isso, por um curso rápido: o magistério primário. Professor nas terras de Seide. Camilo: ainda por esse tempo os seus personagens erravam pelas terras de Ruivães, Prazins, São Tiago de Antas, Ninães, Donim, Monte Córdova, onde o pícaro dos seus romances desaparecia, agigantando a sua figura de escritor. Dum pequeno apontamento do amador de então, surgiu, mais tarde, aluno das Belas-Artes do Porto. A CASA ASSOMBRADA:

(Para além da tragédia de Camilo, a tragédia da sua casa. Seu filho, doido. Em noites de vendaval, gemia com o vento vivante, através das vidraças e vagueava a cumprir seu fado pelas encruzilhadas dos caminhos. Ficava a sua acácia, aquela que Camilo plantara quando ele nascera. Quando a acácia do Jorge, ainda outra vez inflore, chamai-me, que de Abril, nas auras voltarei! A acácia secou, e ficou um esqueleto de braços levantados. O filho, em vida, na sua loucura, jurara deitar fogo á casa. Mas, só depois de morto, cumpriu a sua jura. A casa é uma presença horrível.)

Cabe aqui falar da grande amizade que uniu Camilo a Martins Sarmento. Ao seu Solar de Briteiros se acolhia a fugir das perseguições da justiça. Publicaram os dois, para fins humanitários, uma pseudo-história pequena de Portugal, em que cada um escrevia um capítulo, de que só dava a última frase, para o parceiro continuar o capítulo seguinte, para matar as longas noites de inverno.

E FUI, UMA VEZ INDEPENDENTE, vivendo do professorado efectivo na Afurada (na foz-do-Rio-Douro). E aos poucos, continuando a frequentar a Escola de Belas-Artes do Porto. Independência que norteou a minha vida de artista. Na escola a amizade e a riqueza de convívio e conhecimentos de Mestre Dordio Gomes e dos condiscípulos Júlio Resende, Manuel Guimarães, Israel Macedo, Maria e Rosa Moutinho, Amândio Silva…

Professor, ao diante, do Ensino Técnico e da Escola de Arte Aplicada, em Guimarães e Lisboa, de 1942 a 1948. Trabalhei em grandes painéis de mosaico, azulejo e mármore gravado a ouro, nas basílicas de Damasco (Síria) e Nazareth (Israel). É costume dizer-se: ir a Roma e não ver o Papa. Em 1951 parti, a seguir á inauguração duma exposição individual no Museu de Arte Moderna de Madrid, para Roma, convidado para a inauguração da Igreja de Santo Eugénio. Cheguei quando já era impossível entrar no templo. Conversa com o comandante da Guarda Pontifica que só encontra uma solução: entrar pelo exterior da sacristia de que tem a chave. Abre-se a porta, convida-me a entrar rapidamente, fechando-a em seguida. Na minha frente, encontro, de pé, sozinho, a figura imponente, na sua simplicidade, de Sua Santidade o Papa Pio XII. Mais tarde fiz uma série de desenhos, no Vaticano e em Castel Gandolfo, do mesmo Papa. Falar de Itália, de Piero della Francesca, Masaccio, Paolo Uccelo e Signorelli ou Giotto, Carpaccio e Pisanello, seria um mundo de encanto sem fim a descrever. Já em 1948, na minha primeira exposição individual, escrevera: a paisagem, o retrato e o pequeno esboceto, somente me interessam como meio de estudo; e a aguarela pela facilidade com que se pode traduzir com mais pureza a primeira impressão emocional. Tudo como meio de se atingir uma finalidade: a grande composição mural.

NÃO QUERIA ESQUECER o encontro com Fernando Pessoa; quando saiu a edição de Mensagem copio-a à máquina, em maiúsculas, a azul e a vermelho. Mais tarde a minha TESE do Curso Superior de Pintura da Escola Superior de Bellas-Artes do Porto, tem como tema El-Rei D. Sebastião, com versos de Fernando Pessoa: Mensagem – A Rosa do Encoberto. A composição e a cor, os elementos que considero essenciais na pintura. Nessa linha, tenho seguido, bem ou mal, mas independente, como sempre, sem me deter na colecção de críticas, prémios, medalhas ou vendas comerciais. Finalidade sentida: a Arte Religiosa.

ANTÓNIO-LINO Pires Da Veiga Ferreira Pedras, de nome. Nasci em Guimarães a 9 de Março de 1914, de Antiga Família transmontana. Depois do Curso do liceu, em Guimarães, Braga e Porto, o curso do Magistério Primário em Braga, com 16valores no exame de Estado feito em 1936. Professor efectivo na Afurada (Gaia). Em 1937, frequência de desenho na Escola de Belas-Artes do Porto. Em 1941, regresso à Escola de Belas-Artes, terminando a Curso Superior de Pintura com 19valores na TESE em 1945. Professores: Mestres Teixeira Lopes (escultura), Acácio Lino (desenho) e Dordio Gomes (pintura). Em 1949 parti para o estrangeiro com largas estadas em Espanha, França, Alemanha e Itália, onde estudei tapeçaria, fresco, vitral e mosaico e fiz muitos apontamentos que expus em Espanha e Itália. Em 1957 visitei a Escandinávia (expus em Oslo e Helsínquia), a Suécia, Dinamarca, Alemanha, Holanda, Bélgica, Áustria e Suíça são pontos de encontro. Em 1964 concorri para professor da Escola de Belas-Artes de Lisboa. A partir de 1965 visitei a Grécia, o Líbano, a Síria, Israel, Turquia, Chipre e Inglaterra. Da numerosa colecção de apontamentos de desenho, gravura, aguarela, mototipias e óleo, fiz algumas exposições em Portugal e no estrangeiro, nomeadamente no Museu de Arte Moderna de Madrid e, seleccionada pelo escritor e crítico de Arte, Leonello Venturi, no atelier do Beato Angélico, em Santa Maria Sopra Minerva em Roma. Tenho trabalhos em museus e colecções particulares nacionais e estrangeiras. Alguns prémios.

NAS QUATRO EXPRESSÕES de pintura mural – fresco, vitral, tapeçaria e mosaico – me tenho realizado, a partir de 1952, depois de estudar as obras e a tecnologia destas e praticá-las em sistemático trabalho de oficina.

Em 1951 fiz no Vaticano 18 palestras sobre Arte Cristã: das Catacumbas à Arte Abstracta. Colaborei em vários jornais e revistas nacionais e estrangeiras com artigos sobre Arqueologia, História e Critica de Arte, e, artisticamente, com desenhos e gravuras; na Enciclopédia Verbo e no Dicionário da Pintura da Cor, com artigos sobre Belas-Artes e Tecnologias da Pintura; dirigi e ilustrei (com desenhos, monotipias e gravuras), livros de Literatura e Arte.

Nas viagens pelo estrangeiro descobri e identifiquei várias obras de interesse para a Arte Portuguesa, tendo notificado disso, por escrito e com documentos fotográficos, a Direcção do Museu de Arte Antiga.

Fui um dos fundadores do Grupo dos Independentes do Porto, que promoveu exposições no Porto, Braga, Coimbra e Lisboa, a do Movimento de Renovação de Arte Religiosa. Tomei parte em congressos de Arte e arqueologia em Portugal e no Estrangeiro, apresentando teses. Actualmente sou professor de Tecnologias da Pintura, Mosaico e Vitral, na Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa.

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