sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

CRUZEIRO SEIXAS

Artur Manuel Rodrigues do Cruzeiro Seixas, pintor, cenógrafo e poeta, nasce na Amadora, em 1920. Após frequência da Escola de Artes Decorativas António Arroio, onde faz amizade com Marcelino Vespeira, Júlio Pomar, Mário Cesariny e Fernando de Azevedo, entre outros, as tertúlias do Café Herminius abrem-lhe as portas para as correntes vanguardistas. Nos meados da década de 40, passa por um momento neo-realista, mas acaba por aderir ao Surrealismo, após encontro com os manifestos de Breton. Então, juntamente com Mário Cesariny, Mário-Henrique Leiria, Pedro Oom, Eurico da Costa, Carlos Calvet, António Maria Lisboa, Fernando José Francisco, Risques Pereira e Fernando Alves dos Santos, participa no grupo saído da cisão do movimento e que se auto-nomeará “Os Surrealistas”, expondo na colectiva de 1949 (a primeira individual do pintor será apenas em 1953), escrevendo manifestos e dando conferências.
No início da década de 50, alista-se na Marinha Mercante e visita a África, a Índia e a Ásia (Hong Kong). Fixa então residência em Angola, onde organiza uma polémica mostra individual, em 1953, ao mesmo tempo que se dedica a coleccionar arte africana, a montar exposições e a criar um salão de pintura no Museu de Angola. Data também desse tempo o início da sua produção poética, concretizada a par do desenho, da pintura e das colagens, dotando a sua obra de uma intensa literariedade e simbolismo.
O regresso a Portugal, em 1964, evidencia os caminhos plurais da sua carreira. Continua a fazer o trabalho de ilustração, que vinha desenvolvendo nos últimos anos, nomeadamente para capas de livros de poesia de Cesariny, mas não abandona a obra pictórica. Expõe individual e colectivamente: destacam-se a mostra que reúne obras suas e de Cesariny, bem como a participação na Primeira Exposição Surrealista de São Paulo, Brasil, e a organização de uma primeira retrospectiva do seu trabalho, na Galeria Buchholz. Nos anos seguintes, viaja pela Europa e entra em contacto com nomes do Surrealismo internacional. Em 1969, integra a Exposição Internacional Surrealista (Holanda) e, no ano seguinte, expõe na Galeria de São Mamede. Simultaneamente, trabalha como programador nas Galerias 111 e São Mamede. Com esta última, colabora até 1974, divulgando o trabalho de artistas nacionais com percursos tão diversos como António Areal, Vieira da Silva, Carlos Calvet ou Paula Rego e Mário Botas, e trazendo a Portugal obras do grupo Co.Br.A ou de Henry Michau.
Radicado no Algarve, na década de 80, Seixas opera como programador de várias galerias. A sua obra é também objecto de diversas exposições, de que se destacam a da Galeria Sacramento (Aveiro), com Eugenio Granell, e a da Fundação Eugenio Granell, em Santiago de Compostela, ambas em 2001.
Mantém forte relação com poetas, como Herberto Helder ou António Barahona, e jamais se desliga da estética surrealista, colaborando com várias revistas internacionais ligadas ao movimento. Em 1999, a oferta da sua colecção pessoal à Fundação Cupertino de Miranda, em Vila Nova de Famalicão, tem como objectivo a constituição de um Museu do Surrealismo e de um centro de investigação do movimento. A sua obra – que a partir de 1990 rejeitou a pintura sobre tela, optando pelo suporte de papel –, sempre marcada por um desenho em que já foram reconhecidas influências de Leautréamont, ostenta evidentes laivos de crueldade, a que não é alheia uma clara dose de ironia e mesmo de um humor menos amargo. O seu traço certeiro, de limites apurados e atmosferas de vertigem, que sabe mimar, nos contornos da paisagem, a anatomia feminina, como em La Variété est en dehors d’elle même (1947), edifica um mundo desolador em que a face onírica e literária não esconde a violência do conjunto, destruindo toda a possibilidade de quietude.
As garras que rasgam a paisagem a partir do interior encontram também eco em Mão (1960). Um dos objectos escultóricos realizados na década de 60, esta peça perturbadora, com unhas feitas de aparos de caneta, instaura uma relação simbólica entre criação e destruição. No entanto, a noite primordial e inquietante da sua obra soube coexistir com paisagens mais ligeiras e felizes, como algumas das pintadas nos anos de Angola, e com citações plásticas da história da arte, num jogo de grande prazer plástico, bem como com objectos dotados de flagrante poética, na sua simplicidade de materiais, de técnicas e no sobressalto imaginativo.

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