óleo s/tela
54x76,5 cm
Carlos
Botelho.
Movimento:
Modernismo
Carlos
António Teixeira Basto Nunes Botelho (Lisboa, 18 de Setembro de 1899 — Lisboa,
18 de Agosto de 1982), foi um pintor, ilustrador e caricaturista português.
A
sua atividade desenvolveu-se ao longo de um período dilatado do século XX e
repartiu-se por uma multiplicidade de atividades. Nos anos de 1920 Botelho foi
um dos pioneiros da banda desenhada nacional, trabalhou em artes gráficas e no
desenho de humor; na década seguinte pertenceu à equipa de decoradores do SPN,
o que lhe deu oportunidade para viajar e tomar contacto com a dinâmica artística
do seu tempo. A partir dessa altura desenvolveu uma obra plástica autónoma que
o destaca como uma das figuras maiores da 2ª geração de pintores modernistas
portugueses.
A
paisagem urbana ocupa um lugar central na sua obra. Na etapa inicial, marcada
por um pendor declaradamente expressionista, pinta cidades, retratos,
narrativas. Tema recorrente desde a primeira hora, a sua cidade natal irá
afirmar-se como tema central, acompanhando a evolução do seu modo de pensar e
fazer. Será Lisboa a protagonista do apaziguamento expressivo e acentuação
poética da década de 1940; será Lisboa a servir de mote às experiências
abstratizantes dos anos de 1950; e será Lisboa a ocupá-lo, quase em exclusivo,
nas décadas finais.
Filho
único de pais músicos, foi a música que dominou a infância de Carlos Botelho.
Inicia a aprendizagem do violino – instrumento que o irá acompanhar por toda a
vida –, pouco antes da morte do pai, em 1910. Nesse mesmo ano ingressa no Liceu
Pedro Nunes, onde faz amizade com Bento de Jesus Caraça e Dias Amado. Realiza
experiências plásticas autónomas em atividades extracurriculares e é no próprio
liceu que faz a sua primeira exposição individual (1918).
Em
1919 inscreve-se na Escola de Belas-Artes de Lisboa, onde é aluno de Ernesto
Condeixa. Abandona a Escola após pouco mais de um ano, desiludido com o teor
académico e pouco estimulante do ensino, terminando aí a sua formação
convencional. Tal como Mário Eloy e Bernardo Marques, seus companheiros de
geração, Botelho será um artista eminentemente autodidata.
Casa-se
com Beatriz Santos Botelho em 1922. Desse casamento nascem dois filhos: José
Rafael e Raquel.
Em
1924 emprega-se numa fábrica de cerâmica, mas depois de alguns êxitos em
concursos de cartazes, a partir de 1926 dedica-se exclusivamente às artes
gráficas, ilustração, desenho de humor e Banda Desenhada. Entre 1926 e 1929 faz
com regularidade páginas de BD para o semanário infantil ABC-zinho; e em 1928
inicia a página humorística Ecos da Semana, no semanário Sempre Fixe,
colaboração que mantém, ininterruptamente, durante mais de 22 anos. Também se
encontram colaborações artísticas da sua autoria nas revistas Domingo Ilustrado
(1925-1927) e Ilustração iniciada em 1926.
Em
1929 Botelho é um humorista reconhecido. Nesse ano parte pela primeira vez para
Paris, onde frequenta as Academias Livres Grande Chaumière e Colarossi; durante
a estadia faz uma breve visita a Londres. Essa saída de Portugal será
determinante para a sua opção definitiva pela pintura e, imediatamente após o
regresso, veremos os primeiros sinais de mudança: "Data de 1929 o primeiro
quadro de Lisboa de Botelho: uma vista do Zimbório da Basílica da Estrela,
construída geometricamente, com uma matéria densa […], usando uma pasta
expressiva".
Ao
longo dos anos de 1930 Botelho faz diversas permanências no estrangeiro,
trabalhando na participação portuguesa em grandes mostras internacionais.
Trabalha no pavilhão de Portugal na Exposição Internacional e Colonial de
Vincennes, Paris, 1930-31, e no stand de Portugal na Feira Internacional de
Lyon, 1935. A partir de 1937 integra, juntamente com Bernardo Marques, José
Rocha, Tom e Fred Kradolfer, a equipa de decoradores do S.P.N. (Secretariado de
Propaganda Nacional) encarregues da realização dos pavilhões de Portugal nas
exposições de Paris, Nova Iorque e S. Francisco – Exposição Internacional de
Artes e Técnicas, Paris, 1937; Feira Mundial de Nova Iorque, Nova Iorque, 1939;
Exposição Internacional de S. Francisco, S. Francisco, Califórnia, 1939.
Em
1930 instala-se com o seu ateliê na Costa do Castelo, junto ao Castelo de S.
Jorge, na casa a que a sua mulher, professora do ensino primário, tinha direito
pela função exercida. A localização desta casa, onde viveu até 1949,
influenciou certamente a sua temática, oferecendo-lhe temas e referências que
marcaram o seu percurso artístico.
Em
1937, durante a estadia em Paris, visita uma retrospectiva da obra de Van Gogh
que o deixa "impressionadíssimo", acentuando a intensidade expressiva
da sua pintura; descobre Ensor numa breve visita à Flandres. No ano seguinte
recebe o prémio Souza-Cardoso na Exposição de Arte Moderna do S.P.N. pelo
retrato de Músico Carlos Botelho (ou Meu Pai).
Em
1939 vence o 1º Prémio na Exposição Internacional de Arte Contemporânea, S.
Francisco, EUA, o que lhe permite comprar o terreno e, mais tarde, construir a
casa/ateliê no Buzano, Parede (perto de Lisboa). Em 1940 integra a equipa de
decoradores da Exposição do Mundo Português, Lisboa; nesse mesmo ano recebe o
Prémio Columbano na V Exposição de Arte Moderna do S.P.N., Lisboa. Concebe cenários
e figurinos e colabora como diretor de cena na Companhia de bailado Verde Gaio.
Em
1949 é forçado a abandonar a casa na Costa do Castelo e instala-se no Buzano; a
partir de 1955 volta a residir em Lisboa, longe do centro histórico, no novo
bairro do Areeiro.
Em
1955 recebe uma Menção de Honra por ocasião da III Bienal de S. Paulo e, em
1961, o 1º Prémio de Pintura na II Exposição de Artes Plásticas da Fundação
Calouste Gulbenkian.
Em
1969 reforma-se das suas funções nos Serviços Técnicos do SNI, Palácio Foz,
cargo que ocupava desde a década de 1940.
Morre
em sua casa no dia 18 de Agosto de 1982.
Entre
1926 e 1929 Carlos Botelho faz com regularidade banda desenhada para o
semanário infantil ABC-zinho. Botelho foi "O grande autor de BD do
ABC-zinho, qualitativa e quantitativamente, [...] sendo o autor quase integral
da primeira e da última página da cada número, a cores, produzindo aí a maior
parte das suas mais de 400 pranchas que fez para a revista"; esta incursão
"não foi uma passagem episódica ou ligeira, mas uma componente essencial
da sua carreira, da sua formação nos anos 20, fazendo parte integrante da sua
obra".
Em
1928 inicia colaboração semanal no Sempre Fixe, que manteve durante mais de 22
anos e que lhe serviu de palco para a crítica mordaz a uma vasta gama de temas,
das trivialidades do dia-a-dia lisboeta a alguns dos acontecimentos mais
relevantes da vida internacional. A 8 de Dezembro de 1950, data em que encerrou
esse monumental ciclo de trabalho, os seus Ecos da Semana perfaziam um total de
cerca de 1200 páginas, "num discurso continuado sem intervalo ou
férias" 14 .
"Ecos
da Semana são um duplo, e triplo, diário – do autor, entre os seus 29 e 51 anos
de idade, e de um país, ou de um mundo"; mas são também "um diário do
não dito". Num país asfixiado pela censura, a política nacional seria
excluída de comentário; eram essas as regras do jogo 15 . Isso não o impediu,
por exemplo, de confrontar a escalada para a 2ª Guerra Mundial através de
"notáveis e demolidores" desenhos que satirizam Mussolini e Hitler.
Mas a importância dos Ecos da Semana não se restringe à sua componente
jornalística: "Em primeiro lugar porque esta é construída plasticamente,
ou seja, a eficácia da mensagem depende tanto – na verdade muitas vezes mais –,
da pertinência do texto como do acerto de um desenho inesgotável, fluido,
totalizador de centenas de páginas inteiras, onde o olhar ora mergulha na
decifração dos pormenores, ora se espraia em visão inteira, ritmada por dentro
de cortes, manchas de aguada, descentramentos, inesperadas acentuações. […] Os
Ecos configuram-se como um «Botelho outro», paralelo ao «pintor de Lisboa e
outras cidades», mas sem se confundir com ele".
Para
entender a obra de Botelho é necessário compreender o modo como as duas
vertentes principais da sua obra ao longo das décadas de 1930 e 1940 – o
desenho de humor praticado no Ecos da Semana e a sua pintura –, existem em
territórios separados, apenas com raras sobreposições.Quando Carlos Botelho
retoma a pintura em 1929, pouco depois da grande revelação que constituiu a sua
primeira viagem a Paris, não é na produção gráfica anterior ou no desenho de
humor que procura os pontos de partida; o regresso faz-se sobretudo através de
categorias solidamente estabelecidas que havia aflorado na juventude: retrato e
paisagem.
Nesse
período "fulgurante" e de "densíssima produção" que foram
para Botelho os anos de 1930 19 , vê-lo-emos utilizar um idioma pictórico
expressionista que se distingue claramente do grafismo dos Ecos, empenhando-se
fundamentalmente em três vias temáticas distintas:
Em
primeiro lugar a paisagem urbana e, desde logo, a cidade onde nasceu e viveu.
Lisboa destaca-se rapidamente como "iconografia predominante, corpo mesmo
do aprofundamento dos recursos do pintor e das suas sucessivas poéticas".
Não é, no entanto, a via quase única que encontraremos na sua obra posterior:
"a paisagem enuncia-se […] como possibilidade na carreira recém-iniciada,
mas não constitui ainda a matriz imperativa do futuro" 20 . Botelho irá
pintar também outras cidades: Paris, Florença, Amesterdão, Nova Orleães e,
sobretudo, Nova Iorque (veja-se, por exemplo, Noturno – Nova Iorque, 1939).
"Em termos de arte portuguesa, no final dos anos […] de 1930, estas
pinturas situam-se na vanguarda de tudo o que então se fazia".
Paralelamente
às paisagens urbanas, e "pretendendo libertar-se da estrita apreciação que
o consagrara como humorista", Botelho assume as suas opções com empenho
social, realizando pinturas que o aproximam temática e estilisticamente da
"pintura expressionista de tradição nórdica, enunciando um sentido de
pesquisa conotável com o período holandês de Van Gogh" 22 . Os seus
saltimbancos, os seus cegos ou pescadores, são figuras matéricas e densas, que
nos mostram uma outra faceta da sua obra.
A
terceira via que o ocupa ao longo da década inicial é o retrato, que irá
culminar nos retratos de Beatriz, dos pais e dos filhos. E se o retrato do pai
do artista (Músico Carlos Botelho - ou Meu Pai), de 1937, é já "um momento
axial da obra do pintor", os retratos dos filhos traduzem a autonomização
da sua abordagem: "Nenhuma cedência ao gosto convencional nestes dois
retratos, nenhum sentimentalismo pelos modelos, antes uma brusquidão de gesto e
de atitude, como se a íntima convivência com eles em nada perturbasse o desejo
de pintura".
A
partir dos anos 30 a Lisboa de Botelho torna-se num universo intensamente
pessoal capaz de revelar algo de profundo, oferecendo-nos "a visão de uma
cidade arquetípica cuja beleza é a forma mediadora da verdade de um povo ou da
sua antropologia específica […]. Com uma grande simplicidade de processos e de
efeitos, [Botelho] criou um universo plástico que é como o espelho simbólico e
imaginoso de uma das facetas mais significativas do espírito português".
Em pinturas como Ramalhete de Lisboa, 1935, o pintor regista a cidade,
"mas, mais profundamente, inventa-a, deslocando os acidentes e os sítios,
submetendo-os a uma exigência plástica. No entanto, essa cidade «pintada» é tão
real, ou mais real (?), do que a cidade existente, reconhecemo-la
profundamente".
Subtilmente,
a sua pintura vai mudar. O abrandamento da intensidade expressionista abre-lhe
as vias para uma outra dimensão poética e para a "descoberta da platitude
da tela, onde formas e cores se inscrevem segundo uma opção de
frontalidade". Na década de 50 essa opção radicaliza-se em trabalhos
diferentes onde se aproxima mais do que nunca da abstração. Pinturas como Velho
Casario, 1958, partem de princípios modernistas, como a autonomia da linha ou a
recusa da perspetiva tradicional, assumindo abertamente a frontalidade da
composição.
Os
princípios formais que investiga nessas obras irão surgir, pouco depois e sob
outras vestes, na estruturação formal das paisagens urbanas que o ocupam até ao
fim: "O último choque produtivo obteve-o com a afirmação do
abstraccionismo nos anos 50, via Escola de Paris e Vieira da Silva, e este foi
decisivo para os ciclos da longa produção final: não cortou com o corpo
metafórico de Lisboa [...] mas disciplinou-o, em rimas e espacialidades
cromáticas em que a luz é o referente determinante" 28 (ver, por exemplo,
Lisboa, 1962).
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